Sábado. 14 h e 45 min.
Foi ao cabeleireiro pintar o cabelo. Mais precisamente para esconder as brancas, não para mudar a sua cor natural.
Às 15 h e 35 min., apesar da barulheira, produzida pela tagarelice habitual associada ao ruído dos secadores, adormeceu, cansada, enquanto a tinta actuava.
Acordou, precisamente meia hora depois, estranhando o profundo silêncio em que todo o salão se encontrava.
Bem abertos os olhos percebeu que, secadores, escovas, pentes, tesouras, rolos, aparelhos de alta frequência, pinças, corta-unhas, limas e mais uma parafernália de outros objectos e produtos permaneciam imóveis.
Tinha cessado por completo toda a actividade de lavagens, cortes, mise-en-plis, penteados, tratamentos, permanentes, colorações, descolorações, frisagens, desfrisagens, aplicação de extensões, madeixas e nuances, epilações, depilações, tratamentos de unhas, maquilhagens e demais serviços afins.
À sua frente, estavam sentadas, em duas filas de cadeiras, que pareciam ter sido alinhadas à pressa, clientes, cabeleireiras, manicuras/pedicuras, esteticistas e respectivas ajudantes.
Viu, ainda, no passeio mais de uma dezena de pessoas, homens e mulheres, de nariz colado à vitrina.
Tinham acabado de assistir, boquiabertos, a um fabuloso espectáculo de fractais de assombrosas formas e cores - vísivel um centímetro acima da farta cabeleira envolta em pastosa mistura - originado pela intensíssima actividade sináptica dos seus neurónios.
A normalidade do salão, entretanto restabelecida, não durou mais que o tempo que o seu cabelo demorou a lavar e a secar.
Quando se levantou para sair, às 16 h e 35 min., tudo parou novamente, com excepção dos inúmeros pares de olhos - inclusive os de toda a gama de champôs e amaciadores presentes nas prateleiras - que, espantados, a seguiram até ela desaparecer do seu campo de visão.
Não era caso para menos.
Cada fio de cabelo da sua farta - como já se disse - cabeleira incrivelmente lisa tinha, agora, um tom diferente. E eram 103.453! Cento e três mil quatrocentos e cinquenta e três tons de todas as cores do arco-íris.
[Tudo se passou exactamente como descrito. Eu própria assisti numa das raras vezes em que não me exasperei com a ida ao cabeleireiro.
Soube, mais tarde, curiosamente enquanto esperava, no mesmo salão de cabeleireiro, ao ler uma revista, já antiga, que ela tinha sido contratada pela Pantone. É, actualmente, o catálogo da empresa. Invulgar e completíssimo. Um sucesso.]
_Shostakovich
Piano - Martha Argeric
Violoncelo - Mischa Maisky
Violino - Joshua Bell
Violino - Henning Kraggerud
Viola d'Arco - Yuri Bashmet
[um quinteto fabuloso]
Imagem - a partir de fotografia de caixas de CD's. TINTA AZUL. 2.06.09
Música - YouTube.Medicitv
5 comentários:
Que simetria!!!
No cabeleireiro pode passar de tudo, e senão, quase.
Parece incrível, mas, que tu assistes e vives o momento, é para acreditar.
Muita imaginação a tua, como complemento. Eu, pelo menos, quedo atónito.
Que tenhas um bom domingo e que consigas recuperar-te.
Que tenteado! Tu nesse campo não terás nenhum problema.
Um grande abraço
Que sonho fabuloso!...
A farta cabeleira é cheia de caracóis selvagens - a de quem, assim, sonha!
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[Beijo...@]
Perdoe-me por invadir seu recanto, mas li a história e não me contive. Fiquei encantada com a forma e o conteúdo. Parabéns. Elza
Fez uma crônica da pura energia.
Gostei muito dessa sincronia.
A física e a poesia.
Beijos
Para não repetir nada do que já acima fica dito apenas um abraço matizado de todos os tons da ternura e do encantamento.
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