. Estás todo em ti, mar, e, todavia, como sem ti estás, que solitário, que distante, sempre, de ti mesmo!
Aberto em mil feridas, cada instante, qual minha fronte, tuas ondas, como os meus pensamentos, vão e vêm, vão e vêm, beijando-se, afastando-se, num eterno conhecer-se, mar, e desconhecer-se.
És tu e não o sabes, pulsa-te o coração e não o sentes... Que plenitude de solidão, mar solitário!
Qualquer tempo é um tempo duvidoso assim o meu cercado de cidades plataformas instáveis praticáveis cobertos de infinita gente náufraga que se inclina nas águas como um palco
Paro na convergência dos estrados chove já sobre a raça ameaçada Incertas multidões em volta passam contemporâneas falam interpretam a duvidosa língua das imagens
Assim no teatro abstracto das cidades morrem palavras sobre um palco náufrago
O tempo cobre o céu que se enche de água
Gastão Cruz, in O Pianista
- R Schumann Sonata nº 2 [1º andto] Violino - Renaud Capuçon Piano - Martha Argerich
De um e outro lado do que sou, da luz e da obscuridade, do ouro e do pó, ouço pedirem-me que escolha; e deixe para trás a inquietação, a dor, um peso de não sei que ansiedade.
Mas levo comigo tudo o que recuso. Sinto colar-se-me às costas um resto de noite; e não sei voltar-me para a frente, onde amanhece.
Nuno Júdice
- J Massenet Elegie Violoncelo - M. Maisky Piano - P. Gavilov
If you can keep your head when all about you Are losing theirs and blaming it on you; If you can trust yourself when all men doubt you, But make allowance for their doubting too; If you can wait and not be tired by waiting, Or, being lied about, don't deal in lies, Or, being hated, don't give way to hating, And yet don't look too good, nor talk too wise;
If you can dream - and not make dreams your master; If you can think - and not make thoughts your aim; If you can meet with triumph and disaster And treat those two imposters just the same; If you can bear to hear the truth you've spoken Twisted by knaves to make a trap for fools, Or watch the things you gave your life to broken, And stoop and build 'em up with wornout tools;
If you can make one heap of all your winnings And risk it on one turn of pitch-and-toss, And lose, and start again at your beginnings And never breath a word about your loss; If you can force your heart and nerve and sinew To serve your turn long after they are gone, And so hold on when there is nothing in you Except the Will which says to them: "Hold on";
If you can talk with crowds and keep your virtue, Or walk with kings - nor lose the common touch; If neither foes nor loving friends can hurt you; If all men count with you, but none too much; If you can fill the unforgiving minute With sixty seconds' worth of distance run - Yours is the Earth and everything that's in it, And - which is more - you'll be a Man my son!
Rudyard Kipling
SE
Se és capaz de manter tua calma, quando, todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa. De crer em ti quando estão todos duvidando, e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares, ou, enganado, não mentir ao mentiroso, Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares, e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires, de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores. Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires, tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas, em armadilhas as verdades que disseste E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas, e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada, tudo quanto ganhaste em toda a tua vida. E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo, a dar seja o que for que neles ainda existe. E a persistir assim quando, exausto, contudo, resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes, e, entre Reis, não perder a naturalidade. E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes, se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo, ao minuto fatal todo valor e brilho. Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo, e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling Tradução de Guilherme de Almeida
- Michael Nyman If Hilary Summers
Fotografia - Tinta Azul. Julho 2010. Música - YouTube
Escuto na palavra a festa do silêncio. Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, o ar prolonga. A brancura é o caminho. Surpresa e não surpresa: a simples respiração. Relações, variações, nada mais. Nada se cria. Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema. É aqui a abóbada transparente, o vento principia. No centro do dia há uma fonte de água clara. Se digo árvore a árvore em mim respira. Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa
in Volante Verde
- Wim Mertens A Tiels Leis
Fotografia - Tinta Azul.14.08.2010 Música - YouTube.suffig
De não ser deus nem bicho nem sossego de pedra de reflectido lixo faz-se o homem poeta
se de algo se de alga a origem é incerta se bruscamente breve qual círculo na água o homem para que serve?
Natália Correia in Poesia Completa Publicações D. Quixote, Lisboa 1999
Leonard Slatkin Conducts the BBC Orchestra on September 15 2001 in honor of those who lost their lives a few days prior. Visuals from BBC's 'Last Night of the Proms' and ABC's ' Report from ground zero
Imagem - a partir de fotografia. Tinta Azul. 2009 Música - YouTube
Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire. O que agradece que na terra haja música. O que descobre com prazer uma etimologia. Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez. O ceramista que premedita uma cor e uma forma. O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade. Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto. O que acarinha um animal adormecido. O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram. O que agradece que na terra haja Stevenson. O que prefere que os outros tenham razão. Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro,
in O Guardador de Rebanhos
- JS Bach Concerto para 2 violinos - 2º andto Yehudi Menuhin e David Oistrakh
É dia no outro mundo Dos versos. Abriu-se a noite num halo De véu caído, E uma mensagem de charco Purificado Entra, branca, no ouvido... E há um ouvido acordado.
Enquanto desço a Avenida o meu olhar sobe. Até ao céu. Sigo em frente, ficando para trás, a guardar geometrias azuis desenhadas, por entre outras formas e outras cores, à luz do Sol que se sente mas que já não se vê.
- E Withacre Lux Aurumque The Concordia Choir Direcção-René Clausen
NoDia Mundial da Criançaficam aqui três amostras [Miró-Francisco; Paul Klee - Nuno Miguel; Alexandre - Kandinsky]de umconjunto de interessantes analogias formais, cromáticas e expressivas entre o que faz a criança, o naif, o primitivo e o artista moderno. A Arte Moderna foi renovar-se numa antiguidade que a arte académica já não tinha olhos para alcançar - Almada Negreiros[...]
Dalila D'Alte Rodriguesem
A infância da Arte, a arte da infânciaEdições Asa. 2002.
Além do importante contributo para compreender melhor a, imprescindível, presença das artes na educação das crianças e jovens, é, também, um livro muito bonito que dá gosto olhar demoradamente.
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Porque os tempos - o físico e o psicológico - não me deram tempo para um post novo, e porque há dias que deviam ser todos os dias, reponho este de 2008. Acrescento-lhe, no entanto, a música Cenas de Infância de Robert Schumann.