.A missa campal. A procissão. A capela. A devoção. O S.Cristovão. Os cravos oferecidos ao Santo, vermelhos de preferência. Para que os cravos, os do corpo, desaparecessem. De joelhos à volta da capela, Tanta promessa a ser cumprida. O sangue a pintar as pernas. Vermelho como os cravos.
Que diferentes as missas no meio do monte. No penedo feito palco sem qualquer intervenção humana. De vir a esta nem me importo. Pode-se estar distraído a olhar para onde nos apetecer. E há tanto pra onde olhar.
A vista daqui é tão linda. Que paisagem deslumbrante! Vem gente de tão longe. Tanta gente a olhar a vastidão dos montes. A grandeza. O Marão e tantas serras atrás dele. O Douro a serpentear lá ao fundo. Prá ali fica o Porto. Dantes via-se o Farol da Boa Nova. Dali de cima vê-se o Castelo de Penedono. Impossível. Vê-se vê-se. Ali ali. E do alto do malhão vê-se a Serra da Estrela quando tem neve. Ora ora. Isso fica tão longe. Pois fica mas vê-se, que aqui é muito alto.
E vê-se tanta coisa dali. E vê-se o horizonte tão distante. E o céu tão azul ali mesmo por cima de nós, sem mais nada de permeio.
A multidão. A romaria. O calor. O pó. A feira. O gado, as muitas vacas e um ou outro boi, as toiras, os toiros, ai que medo se vêm atrás de nós. Os guardadores, os vendedores, o negócio. As tendas de todas as coisas. Os chapéus, de feltro, de palha, as fitas dos chapéus, as cestas, os cestos, os cesteiros. O pão, os doces, o doce da teixeira, os doceiros. Os comes e bebes, o vinho, muito que está calor, o sumol de laranja, de ananás, uma ou outra larangina C. Os vendedores de água fresca, trazida da nascente. O cântaro, o copo de folha com asa. Que fresquinha.
E as partes descobertas do corpo a ficarem queimadas. Que não há protectores solares, o Sol ainda não faz mal. E não se fala em buracos de Ozono.
A sombra. A merenda. Os cestos, as toalhas e tudo mais que é preciso. O arroz do forno. O anho assado. As sobremesas. Está sempre tudo tão bom. Sabe sempre tudo tão bem. O ribeiro a correr. O corpo estendido na erva. As tias, os tios, os primos, os outros tios dos primos, os outros sobrinhos dos tios. Primos de graus diferentes.
E o Penedo Coelhoso. A lenda da Moura encantada. Pra subir é por ali. É tão grande. Agora por onde havemos de descer. Não caias. É tão alto. Ali era a cozinha da Moura. Ali era o quarto. Estás a ver aquela covinha?
E mais feira e mais tudo, para lá e para cá, tanta gente e tantas coisas. A música. O barulho, tanto barulho. Os homens falam alto, as varas nas mãos, agitadas. Vai haver barulho. A tarde já vai alta. Muito calor. Os homens queimados. Muito vinho. Que barulho. Há pancada. Quem os aparta. Ai Nossa Senhora. Valha-me Deus. Tem a cabeça rachada. Não é nada. Já acabou. Vamos mas é embora que a festa já deu o que tinha a dar e o melhor é irmos andando antes que haja mais confusão.
Num dia 25 de Julho há muito tempo atrás. [Ou um dia 25 de Julho, na memória de hoje, feito de recortes de vários dias 25 de Julho].
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A tenda dos brinquedos. Um trem de cozinha, de alumínio, completo. Os tachos, as panelas, a cafeteira, o fervedor do leite, a frigideira, a concha da sopa, a espumadeira.... Completíssimo. Um saquinho de plástico transparente com aquilo tudo lá dentro à espera dos cozinhados do dia seguinte. Na cozinha de brincar, atrás da casa, feita de pedaços de tijolos. Ainda hoje se pode ver uma marca da sua construção. Uma pequena cicatriz no polegar esquerdo, resultado do corte provocado por um bocado de tijolo.
Num dia 25 de Julho, dia de S. Cristovão. Eu, muito pequenina, tão contente com o saquinho na mão. Talvez com um vestido azul claro [ou amarelo pálido?] de bordado inglês. De mão dada com o meu pai.
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[E neste tempo em que o tempo passa a correr não houve tempo de uma escrita cuidada. Veio de sopetão o turbilhão de memórias misturadas umas nas outras, todas de um dia 25, feito de tantos dias 25. A seu tempo o texto será relido e refeito.]
Imagens - Fotografias. Monte de São Cristovão. Felgueiras. Resende. TINTA AZUL. 22.06.08