Concertos e desconcertos
Foi notícia nos telejornais das 20 horas, do dia 28 de Setembro deste ano da graça de 2004, em pelo menos dois canais de televisão, o “desentendimento” entre dois jogadores do Benfica, durante um treino. Nem sequer um jogo! Um treino mesmo!
Não tive, contudo, notícia em nenhum dos canais de televisão, do pleno entendimento entre 100 jovens estudantes de música, que por sua vez se entenderam perfeitamente com o pianista russo Boris Berezovsky, entendendo-se todos estes com o maestro alemão Ernest Schelle, durante o magnífico concerto que se realizou no passado dia 24 de Setembro no grande auditório do Europarque, em Santa Maria da Feira. Nem sequer um ensaio! Um concerto mesmo!
No primeiro caso, o noticiado, os protagonistas do desentendimento são jogadores profissionais, pagos devidamente para o serem, colegas de equipa há tempo suficiente para se “entenderem”.
No segundo caso, o não noticiado, os protagonistas são jovens estudantes das Escolas Profissionais de Música (Artes da Beira Interior da Covilhã, Artes de Mirandela, Espinho, Artística do Vale do Ave, Artes de Mirandela, Viana do Castelo e Madeira), com idades compreendidas, na sua grande maioria, entre os 15 e os 18 anos, que em apenas 10 dias de trabalho conjunto, mostraram a uma plateia de cerca de 1400 pessoas, composta em grande parte por jovens, como é possível um desempenho de nível profissional, quando ainda se é estudante.
Não mereciam uma notícia nos telejornais das oito da noite, quer os que se entenderam no palco, quer os que entenderam, na assistência, a sua música?
Não merecia ser notícia o pianista Boris Berezosky, Medalha de Ouro na edição de 1990 no Concurso Internacional Tschaikovsky de Moscovo?
Estou certa que se tivesse havido algum desentendimento, teriam sido notícia uns e outros, embora a sua actividade principal não passe pelo futebol.
Realmente, num país onde se diz tão mal da educação em geral, onde nos habituamos a ver, nos noticiários, as desgraças tratadas até à exaustão, onde só falta conseguirem entrevistar o morto, onde qualquer contratação de um jogador de futebol é notícia de abertura, onde um contador de anedotas de gosto duvidoso atinge o estrelato, que interesse pode ter uma orquestra de jovens estudantes de música que executa maravilhosamente o Concerto nº1 para piano em si menor de Tschaikovsky e a Sinfonia Fantástica de H. Berlioz?
Que interesse pode ter uma plateia de jovens que escuta silenciosamente tais obras?
Que interesse pode ter o rigor do trabalho dos directores e professores destas escolas, que permite aos seus alunos, em apenas duas semanas após o inicio do ano lectivo, serem capazes de nos comover com um concerto de tão elevada qualidade?
Não dá vontade de dizer aos “miúdos” que simulem uns “desentendimentos”, arremessando ao ar uns violinos no final do concerto, arrancando umas cadeiras do auditório, insultando os dirigentes do Ministério da Educação presentes na plateia?
Seria notícia, não seria?
Já estou a imaginar: “jovens em fúria destroem instrumentos musicais no final do concerto do 5º estágio das escolas profissionais de música” ou “Jovens insultam Secretários de Estado no Europarque”.
Era garantido, não era?
Não, não dá vontade. Dá vontade de os aplaudir até doerem as mãos. Dá vontade de os apoiar. Dá vontade de assistir, no próximo ano, ao Concerto do 6º Estágio da Orquestra APROARTE – Associação Nacional do Ensino Profissional de Música e Artes, com ou sem notícia nos telejornais das oito da noite. Afinal, com ou sem notícia, estes jovens existem, estas escolas existem.
O problema não está no facto deste evento não ter sido notícia, o problema está no facto de ser notícia um “desconcerto” futebolístico entre dois protagonistas de um clube, em detrimento doutros acontecimentos, como por exemplo o “concerto” musical entre dezenas de jovens alunos de 6 escolas profissionais de música, um pianista de renome mundial e um maestro de origem alemã apaixonado pelo trabalho destes “miúdos” portugueses.O problema é que apesar dos convites dirigidos à comunicação social para a cobertura do evento, e da divulgação feita na imprensa, quem não esteve lá, não teve notícia. Não teve notícia duma coisa boa que se faz em escolas do meu país!
28 de Setembro de 2004
Constato, hoje, dia 19 de Setembro de 2007 que tudo continua namesma. Não quero dizer pior. Prefiro ser optimista, apesar de...
Fotografias: retiradas do Programa do 7º concerto, 21 de Setembro de 2006
Sem comentários:
Enviar um comentário