18/09/07

SOBRE UM POEMA - HERBERTO HELDER

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Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.



Herberto Helder

2 comentários:

Anónimo disse...

O H.H. tem esta maneira de escrever sobre a escrita [como se fosse esse o grande tema... ]
Que nada! A poesia de H.H. é das que mais escrevem sobre as pessoas e o mundo em volta, porque os poemas são a sua forma de "dizer"...

Boa escolha.
Bj

devaneiosaovento disse...

Que prazer em poder ver aqui um dos meus poetas preferidos o grande Herberto Helder, contemporâneo, escreve sobre o sentimento "amor" de uma forma encantadora, vc conhece o poema "Amor em Visita"? para mim um dos mais lindos, tb gosto muito de Mia Couto.
abraços