18/02/08

DIA 15 FOI HÁ 3 DIAS! HOJE É DIA 18 DE CHUVA!

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Cedo. Ainda antes de amanhecer. Entro no comboio. Verifico o número do lugar e sento-me. À janela. Sózinha. No sentido da marcha. Que bom lugar!
Tiro da pasta o texto que quero reler. Aconchego-me no banco. Antecipo o prazer da leitura. O texto é muitíssimo interessante. Não tinha chegado a meio da página, quando sou interpelada, com delicadeza, por uma senhora que me pergunta se tenho a certeza de ser aquele o meu lugar. Digo que sim, mas que, de qualquer modo, vou verificar. Carruagem 2, lugar 82. Sim, é o meu. Desculpe, diz-me a senhora, mas hoje é dia 18 e esse bilhete é do dia 15. Pois é, digo eu . Como é que não reparei? Peço imensa desculpa, tem toda a razão.
Levantei-me imediatamente e fui procurar o revisor. Contei-lhe, exactamente, o que tinha acontecido. Que me tinham ido comprar o bilhete e que não tinha reparado na data. Lamentei-me, ainda, de ter tido o cuidado de pedir para mo comprarem com antecedência, precisamente porque às segundas-feiras, aquela hora, a lotação do comboio esgota. E afinal...
O revisor, extremamente educado, diz-me que entende perfeitamente, perguntando, com ar de quem, antecipadamente, sabe a resposta. Tem mesmo que ir, não tem? Então, onde arranjar um lugar sente-se. Agradeci a compreensão e a delicadeza. Fui à procura de lugar. Sentei-me, mas não por muito tempo. A colega que ía para a mesma reunião que eu, ligou passado um bocadinho. Para nos encontrarmos no bar. Tomámos café. Conversámos um pouco. No regresso à minha carruagem, já todos os lugares estavam ocupados pelos seus legítimos donos.
Em vez de ir à janela, fui à porta. Em vez de sentada, em pé. Em vez de ler e depois dormir, pus-me a pensar como iria tornar a viagem um bocadinho mais agradável. Ler em pé não me agradava. Dormir em pé, um bocadinho difícil. Ainda me sentei no degrau de acesso à porta exterior, mas as costas queixaram-se. Eureka, a salvação, a minha querida máquina fotográfica que estive para não levar, para não ir muito carregada. [Felizmente ninguém me proibiu de clicar]. Até ali não tinha percebido o temporal que estava. Chuva chuva e mais chuva. Tudo alagado. Ocupei-me a olhar pela janela. Fotografia aqui, fotografia ali. Algumas pessoas, ao passar, olhavam estranhamente para mim. E eu sorria levemente. Uma senhora até me disse que o dia não estava grande coisa para fotografias. Pois não, mas é o que se arranja, respondi com mais um sorriso para retribuir o dela.
Mal Santarém ficou para trás, o comboio pára fora da Estação. Passado algum tempo ouve-se, através intercomunicador, qualquer coisa assim: senhores passageiros, não é possível prosseguir a marcha devido às inundações. Não sabemos, neste momento, quando será possível prosseguir. Lamentamos...
Os corredores enchem-se de gente. Um mar de telemóveis sai de bolsos e carteiras. Não sei a que horas chego. O comboio está parado. É melhor cancelar a reunião. Senhor revisor, tenho um avião para apanhar, não posso ficar aqui à espera. Vamos ver o que se pode fazer.
Depois de perceber melhor a situação, também, fiz os meus telefonemas. Era mais sensato cancelar os compromissos. Contudo, ía-se fazendo o ponto da situação para se decidir consoante a evolução do estado das coisas. Confesso que, enquanto não percebi a dimensão do que se tinha passado em algumas zonas ribeirinhas da região de Lisboa, apesar de lamentar o adiamento do que me lá me levava. Apesar de na Azambuja, onde decidimos sair para regressar ao Porto quando fosse possível, ninguém saber informar coisa nenhuma. Apesar das informações contraditórias. Apesar de farta de subir escadas e descer para aceder ora à linha 1, ora à 3 ora à 2, para regressar novamente a uma delas, até se perceber que era na 1, com a chuva grossa e pesada a entrar pelas coberturas, ..., até nem me incomodei muito com a situação. Porque estava com pessoas de quem gosto, porque outras, de quem também muito gosto, estavam paradas em comboios anteriores ao meu, e íamos contactanto, sem lamentos nem pesarres, para saber uns dos outros, porque fui tirando fotografias entre os pingos de chuva, porque aquilo que não tem remédio remediado está, porque a vida também é feita de situações inusitadas que nos atrapalham os planos, às vezes tão bem planeadinhos, porque sinto uma certa excitação com acontecimentos imprevistos, porque me dá gozo apreciar comportamentos tão diversos, porque as pessoas saem da sua letargia e falam umas com as outras. Porque.
Só quando em Santarém, onde esperamos bastante tempo, comecei a sentir os pés a gelar, molhados de tanta chuva, e me apeteceu uma canja de galinha bem quente, é que comecei a sentir um desejo muito forte de chegar ao aconchego morno de casa, onde a canja, feita ontem, esperava por mim.

Imagens - Fotografias. Linha do Norte. Algures entre Aveiro e Santarém. TINTA AZUL.18.02.08

4 comentários:

José Manuel Dias disse...

Obrigado pela partilha das imagens lindas!

Justine disse...

Ora aí está uma maneira exemplar de aceitar uma grande contrariedade: aproveitando o que de bom se pode tirar dela, e, melhor ainda, partilhando connosco essas excepcionais fotografias.
Afinal, foi uma viagem proveitosa :)

Anónimo disse...

Grande mulher... E belas fotos, como sempre. E quando é que numa dessas viagens vens ter comigo? BJS MIA

GP disse...

Grande aventura, linda!
Mas acabou com a canja quente...

Beijinho