Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a Lua toda Brilha, porque alta vive.
Creio que foi o sorriso, sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
LA SONRISA
Creo que fue la sonrisa, la sonrisa fue quien abrió la puerta. Era una sonrisa con mucha luz dentro, y apetecia entrar en ella, quitarse la ropa, quedarse desnudo dentro de aquella sonrisa. Correr, navergar, morir en aquella sonrisa.
LE SOURIRE
Je crois que ce fut le sourire, le sourire, lui, qui ouvrit la porte. C'était un sourire avec beaucoup de lumière à l'ínterieur, il me plaisait d'y entrer, de me dévêtir, de rester nu à l'interieur de ce sourire. Courir, naviguer, mourir dans ce sourire.
THE SMILE
I think it was the smile, it was the smile who opened the door. It was the smile with light, much light inside, I longed to enter it, take off my clothes, and stay, naked there within that smile. To run, to sail, to die within that smile.
DAS LÄCHELN
Ich glaube, das Lächeln war es, das Lächeln öffnete die Tür. Es war ein Lächeln mit viel Licht darin, man hätte es betreten mögen, sich ausziehen, nackt in diesem Lächeln verweilen. Laufen, segeln, sterben in diesem Lächeln.
Eugénio de Andrade
Para quem não sabe português. Porque o sorriso é bonito em todas as línguas.
. No dia em que o Pai fazia anos. Uma fotografia antiga. Eu com 6 anos, ele com 53. No dia em que ele fazia 93 anos. Eu com muitas saudades. Ele sempre presente. [como o lembrei aqui, faz hoje 2 anos.]
Um beijo abraçado, Pai. [Com a música de que tanto gosto.]
Chegou exausto e transpirado. Lavou a roupa. Tomou banho. Pendurou-se, também. É o seu modo preferido de descansar. Apesar de ter trabalhado muito, sente-se triste. Não conseguiu ir a todos os lugares onde há crianças. Ficou muito aquem dos seus objectivos. Diz de si para consigo que precisa urgentemente de ajuda. Para chegar onde é preciso. Ao mundo inteiro. Diz que sozinho é impossível. Diz que agora é ele quem vai escrever cartas. Muitas cartas. Até perceberem que não se pode adiar mais.
À meia noite no pasto, guardando nossas vaquinhas, um grande clarão no céu guiou-nos a esta lapinha. Achamos este menino entre Maria e José, um menino tão formoso, precisa dizer quem é? Seu nome santo é Jesus, Filho de Deus muito amado, em sua caminha de cocho dormia bem sossegado. Adoramos o Menino nascido em tanta pobreza e lhe oferecemos presentes da nossa pobre riqueza: a nossa manta de pele, o nosso gorro de lã, nossa faquinha amolada, o nosso chá de hortelã. Os anjos cantavam hinos cheios de vivos e améns. A alegria era tão grande e nós cantamos também: que noite bonita é esta em que a vida fica mansa, em que tudo vira festa e o mundo inteiro descansa? Esta é uma noite encantada, nunca assim aconteceu, os galos todos saudando: O Menino Jesus nasceu!
Adélia Prado [Suplemento Folhinha do jornal Folha de S. Paulo, 25.12.99]
in Mensagens de Natal
em poesia e prosa
Edições Asa, 2003
Fotografia - TINTA AZUL. 19.12.08 [exposição de presépios feitos por crianças dos jardins de infância e escolas básicas da região norte]
Aqui estão eles. A fazer-se. Na rebentação. A rodopiar. Depois de prontos, podem servir-se. De sonhos. De tantos quantos quiserem. Com molho bem docinho. Que os sonhos foram feitos para serem doces.
Chegou-me através do meu querido primo carioca com votos de Natal Feliz. E eu, porque gostei muito, trouxe-o daqui para aqui ficar. Porque sim.
E agora tenho que ir tratar de vida, senão amanhã não me entendo na cozinha com tanta coisa para fazer. E tenho que me entender, sobretudo nos sonhos, a minha especialidade, também, natalícia.
Com muito amor e carinho, a virarem-se sozinhos na frigideira, a rebentarem de prazer na fritura, que é assim que deve ser. E como todos gostam deles! Dos sonhos.
Natal de quê? De quem? Daqueles que o não têm? Dos que não são cristãos? Ou de quem traz às costas as cinzas de milhões? Natal de paz agora Nesta guerra de sangue? Natal de liberdade Num mundo de oprimidos? Natal de uma justiça roubada sempre a todos? Natal de ser-se igual em ser-se concebido, em de um ventre nascer-se, em por de amor sofrer-se, e de ser-se esquecido? Natal de caridade, quando a fome ainda mata? Natal de qual esperança num mundo todo bombas? Natal de honesta fé, com gente que é traição, vil ódio, mesquinhez, e até Natal de amor? Natal de amor? De quem? Daqueles que o não têm, ou dos que olhando ao longe sonham de humana vida um mundo que não há? Ou dos que se torturam E torturados são Na crença de que os homens Devem estender-se a mão?
Jorge de Sena In Poesia III, 1989 Edições 70, Lisboa
Fui ver ao dicionário de sinónimos a palavra mais bela sem igual, perfeita como a nave dos Jerónimos... E o dicionário disse-me Natal.
Pergunto aos poetas que releio: Gabriela, Régio, Goethe, Poe, Quental, Lorca, Olegário... e a resposta veio: E é Christmas... Natividad... Noel... Natal!
Pedi ao vento e trouxe-me, dispersos, - riscos de luz, fragmentos de papel - cânticos, sinos, lágrimas e versos: Um N, um A, um T, um A, um L...
Perguntei a mim próprio e fiquei mudo... Qual a mais bela das palavras, qual? Para quê perguntar se tudo, tudo, diz Natal, diz Natal e diz Natal?!
Adolfo Simões Müller in Moço, Bengala e Cão - Poemas, 1971, Edição do Autor, Lisboa
Seja ou não, para os que aqui flutuam, a palavra mais bela, o meu desejo de que todos tenham um óptimo Natal.
Fotografia - TINTA AZUL.Exposição de presépios feitos por crianças de JI e EB da Região Norte.19.12.08
É quase meia-noite. Dores está ali, como os outros, há mais de 36 horas. Teriam sido já recambiados, se nesta quadra os voos não estivessem sempre cheios, com passageiros legítimos, que legitimamente vão visitar os paraísos exóticos de onde vêm os clandestinos.
Roupas coladas aos corpos há demasiadas horas. Ar gasto, recinto estreito, demasiada concentração de pulmões.
Quanta gente tentando entrar nos EUA, em plena véspera de Natal. Infelizmente isso é tolerável. Assim, embora os guardas sejam americanos, a zona do aeroporto em que se encontram os ilegais não o é.
Joe é largo como duas portas, e tão escuro quanto grande e gordo. Aceitou fazer este turno, hoje, porque se ele não se voluntariasse, estaria ali outro funcionário da imigração. Um com família, doença de que não padece Joe. Que mulher em pleno uso do seu bom senso casaria com um hamburguer ambulante?
Dores é açoriana. Supostamente, ia ter com o "marido". Uma história mal contada. Na verdade apenas tinha uma vaga promessa de que, na América, não lhe faltaria o que fazer - como mulher a dias, a guardar crianças, ou mesmo como cozinheira.
Dores é bonita? Vá lá saber-se. Por isso a surpreendem os olhares esquivos que, de vez em quando, lhe lança aquele gigante negro. Dores sabe que ele é o inimigo, que por causa dele, e de outros como ele, vai ter a vida de novo a voltar para trás.
Mas que mais mal lhe pode ele fazer? Porque a olha então assim?
Joe não quer olhar para ela. É pago para ser inflexível, e sempre o foi. De certo modo até é para bem dos clandestinos. Os empregos mal chegam para os que já lá estão.
Ele cora? Não, um preto não cora. Joe sabe isso. Dores também o devia saber.
Mas sim, diz-se Dores, ele cora. Quase dá vontade de rir, não dá?
Falta pouco para a meia-noite, constata Joe. Falta pouco para a meia-noite, e logo desta noite. Pobre gente. Ele bem que gostaria de ajudar. Mas como? Sei lá, pensa Joe, ao menos uma vez na vida. Ao menos hoje.
Mas quem?
Talvez aquela mulher.
Não, diz-se Joe, não posso pensar isso. É pecado. Sobretudo nesta noite é pecado.
Joe sabe que por fora é feio. E pergunta-se: também o serei por dentro?
Dores inquieta-se: mas por que raio não pára ele de olhar?
Joe faz contas: se ela casasse com um cidadão americano já poderia entrar. E depois diz-se: olha-te ao espelho, estúpido.
Mas não precisava de ser um casamento a sério. Bastava ser no papel.
Basta ser no papel.
Basta ser no papel. Basta ser no papel!
Esta ideia, e o aproximar da hora, levam-no a decidir-se. Uma boa acção de Natal. É isso. Nada mais do que isso.
Uma boa acção.
De Natal.
- Ustéd quier cassar con mygô?
Primeiro, Dores acha que não percebe.
Depois, fica horrorizada. Que nojo de homem é este? E olha-o nos olhos, com o desafio de que só uma mulher muito muito pequena é capaz, perante um homem muito muito grande. A aproveitar-se de eu ser fraca, pobre, infeliz?
Ele apenas a olha. E ela aí muda um pouco. E pensa: homens. Dores conhece-os, ai se conhece. Mas depois pensa: ao menos nesta noite, virgem santíssima, poderei confiar em alguém? E logo num homem?
- Óquei - diz. Uma das poucas palavras que conhece em americano.
Joe estremece. E repete a si próprio que não lhe tocará. É apenas um acto de amor, sim, mas de amor cristão, casto e puro, desinteressado. Uma boa acção.
Uma boa acção. Nada mais do que isso.
Consta que, nessa mesma noite, fizeram um Menino.
Rui Zink[Dezembro 1997]
in Vésperas de Natal
Edições D. Quixote, 2002
Fotografia. Tinta Azul. Exposição de presépios feitos por crianças de JI e EB da Região Norte.19.12.08
[clicar na imagem para ampliar - as figuras são de uma extrema simpicidade, mas de uma imensa ternura]
Gosto muitíssimo deste conto. Comovo-me sempre que o leio. Por várias razões. Como é longo, para blogues, nada mais acrescento. Espero que o leiam.
A Estrela
A minha avó Margarida
Todos os anos pelo Natal, eu ia a Belém. A viagem começava em Dezembro, no princípio das férias. Primeiro pela colheita do musgo, nos recantos mais húmidos do jardim. Cortava-se como um bolo, era bom sentir as grandes fatias despegarem-se da areia, dos muros ou dos troncos das árvores velhas, principalmente da ameixieira. Enchia-se a canastra devagar, enquanto a avó o que se chamaria hoje as estruturas, o umesmo infra-estruturas, junto da parede da sala de jantar que dava para o jardim. Eram caixotes, caixas de chapéus e de sapatos viradas do avesso, tábuas, que pouco a pouco ela ia cobrindo de musgo, ao mesmo tempo que fazia carreiros e caminhos com areia e areão. Mais tarde os rios e os lagos, com bocados de espelhos antigos, de vidros ou mesmo de travessas cheias de água. Até que todos os caixotes, caixas e tábuas desapareciam. Ficavam montanhas, planícies, rios, lagos. Era uma nova criação do mundo. Aqui e ali uma casinha ou um pastor com suas cabras. E todos os caminhos iam para Belém. Não era como o presépio da Igreja que estava sempre todo pronto, mesmo antes de o Menino nascer. A cabana, a vaca, o burro, os três reis do Oriente. Maria, José, Jesus deitado nas palhinhas. Via-se logo que era a fingir. Não o da avó, que era mais do que um presépio, era uma peregrinação, uma jornada mágica ou, se quiserem, um milagre. Nós estávamos ali e não estávamos ali. De repente era a Judeia, passeávamos nas margens do Tineríades, aandávamos pelo Velho Testamento, João Baptista baptizava nas águas do Jordão e aquele monte, ao longe, podia ser o Sinai ou talvez o último lugar de onde Moisés, sem lá entrar, viu finalmente a terra onde corria o leite e o mel. Mas agora era o Novo Testamento. A avó ia buscar as figuras ao sótão, eram bonecos de barro comprados nas feiras, alguns mais antigos, de porcelana inglesa, como aquele caçador que a avó colovava à frente dizendo: Este é o pai. Seguia-se a mãe, de vestido comprido, dir-se-ia que ia para o baile, mas não, saía de cima de uma mesinha da sala de visitas e agora estava ao lado do pai, olhando levemente para trás onde, entretanto, a avó já tinha colocado figuras mais toscas, eu, a minha irmã, os primos, alguns amigos, todos a caminho de Belém. - E a avó?, perguntava eu. _Eu já estou velha para essas andanças. De dia para dia mudávamos de lugar. E todas as manhãs deparávamos com novas casas, mais rebanhos, pastores, gente que descia das serras, atravessava os rios e os lagos. Os caminhos ficavam cada vez mais cheios. E todos iam para Belém. à noite tremulavam luzes. Acendiam e apagavam. mas ainda não se via a cabana, nem Maria, nem José. Então uma noite, entre as estrelas do céu, aparecia uma que brilhava mais que todas. -Esta é a estrela, dizia a avó. E era a estrela que nos guiava. Na manhã seguinte lá estavam eles, os três reis do Oriente, Magos, explicava o pai, que também não dizia Pai Natal, dizia S. Nicolau, talvez por influência de uma misse russa que em puequeno lhe falava de renas e trenós e de S. Nicolau atravessando as estepes. Cheirava a musgo na sala de jantar. Cheirava a musgo e a lenha molhada que secava em frente do fogão. E os Magos lá vinham, apé, de burro, de camelo. Traziam o oiro, o incenso, a mirra. às vezes nós, os mais pequenos, juntávamo-nos e cantávamos: "Os trÊs reis do Oriente/Já chegaram a Belém." - Não chegaram nada, atalhava a avó, ainda não. Estávamos cada vez mais perto. E também nervosos. Confesso que às vezes fazia batota. Empurrava-os um pouco mais para a frente, para mais perto de Belém e do lugar onde eu sabia que mais tarde ou mais cedo a avó ia pôr a cabana. mas ela descobria. -Não lucras nada com isso, podes apressar toda a gente, não podes apressar o tempo. Cada vez havia mais luzes a Judeia. Por vezes surgiam novos lagos, eram mistérios da minha avó. E a estrela lá estava, a grande estrela de prata que brilhava mais do que todas as outras, às vezes eu ia à janela e via a projecção daquela estrela, ficava confuso, já não sabia se era a estrela da sala ou uma estrela do céu, era uma estrela nova, uma estrela de prata, era uma estrela que nos guiava. No céu, na sala, na Judeia, talvez dentro de nós. Até que chegava o primeiro dos grandes momentos solenes. A avó chamava-nos ao sótão [nós didizíamos forro], abria uma velha arca e desempacotava a cabana. Depois, muito comovida, quase sempre com lágrimas nos olhos, as figuras de Maria e José. - Não há nada tão antigo nesta casa, já eram dos avós dos emus avós. Impressionava-me sobretudo o manto muito azul de Maria e o rosto magro, quase assiutado, de José. A avó limpava-os com muito cuidado e mandava-nos sair. Nunca nos deixou ver o resto. À noite, quando regressávamos da missa do galo, a que a avó não ia, chegávamos a casa e finalmente estávamos em Belém. A estrela brilhava intensamente sobre a cabana, Maria e José debruçavam-se sobre o berço, onde Jesus, todo rosado, deitado nas palhinhas, agitava os braços e as pernas, envolvido pelo bafo quente dos animais, enquanto os três reis do Oriente, agora sim, chegavam a Belém para depositar aos pés do Menino o oiro, o inccenso, a mirra. E vinham os pastores, e vinha o pai, de caçador, a mãe, de vestido de baile, e vínhamos nós, eu, a minha irmã, os primos, não éramos de porcelana nem de barro, estávamos ali em carne e osso, era noite de Natal, uma estrela nos guiava, brilhava sobre a Judeia e sobre o presépio, tínhamos chegado finalmente a Belém para adorar o Menino ao lado de Maria e José e dos três reis do Oriente, Magos, não conseguia deixar de corrigir o meu pai. Mas mágica, verdadeiramente mágica era a avó. Era ela que fazia o milagre da transfiguração, trazia o Natal para dentro de casa e levava-nos todos a té Belém. O cheiro a musgo e a lenha. Os montes, os vales, os rios, os lagos. Caminhos e caminhos que iam para Belém. E a estrela de prata, a estrela que nos guiava. Era uma estrela no céu, dentro de casa, dentro de nós. Pela mão da avó ela brilhava. Pela sua magia Belém estava dentro de casa. E a casa também ia até Belém. Mais tarde, muito mais tarde, eu estava no exílio. Na noite de Natal os revolucionários ficavam tristes e nostálgicos. Talvez recordassem outras avós, outros presépios, outros lugares. Reuniam-se em casa deste ou daquele, improvisava-se uma árvore de Natal, trocavam-se presentes. Mas ninguém, nem mesmo os mais duros, os que faziam gala em dizer que o Natal para eles não significava nada, nem mesmo esses conseguiam disfarçar uma sombra no olhar. Saudade, dir-se-á. Mas talvez fosse mais do que saudade e solidão e o pior de todos os exílios que é o de se sentir estrangeiro no mundo. Talvez fosse a consciência de que, para lá de todas as crenças e não crenças, havia um irremediável sentimento de perda. Muitas vezes me perguntei o que seria. Mas não conseguia responder. Sentia o mesmo aperto, o mesmo buraco por dentro, o mesmo sentimento de algo para sempre eprdido. Uma noite de Natal, em Paris, eu estava sozinho. Comprei uma garrafa de vinho do Porto, mas não fui capaz de bebê-la assim, completamente só, num quaro de criada, num sexto andar numa rua velha do Quartier Latin. Peguei na garrafa e fui até aos Halles. Procurei o bistrot onde costumava comer uma omolete de fiambre. Felizmente estava aberto. Pedi a omolete e abri a garrafa. Havia mais três solitários no bistrot, um velho de grandes barbas, um tipo com cara de eslavo, um africano. Convidei-os para partilharem comigo a garrafa de Porto, que não resistiu muito tempo. Encomendámos outras bebidas. - Conta uma história de Natal do teu país, pediu o velho. - Só se for a do presépio da minha avó. - Então conta. Eu contei. Era já muito tarde e o patrão disse-nos que queria fechar. Chegados à rua, o africano apontou para o céu e disse: Olha. E eu vi. Uma estrela que brilhava mais que as outras estrelas. Era uma estrela de prata. A estrela da avó. Brilhava no céu, brilhava outra vez dentro de mim, quase posso jurar que brilhava dentro dos outros três. Então eu perguntei ao africano como se chamava. E ele respondeu: Baltazar. Perguntei ao velho e ele disse: - Melchior. E sem que sequer eu lhe perguntasse o eslavo disse: - O meu nome é Gaspar. Era noite de Natal e talvez ainda por magia da avó eu estava na rua, em Les Halles, com os três reis do Oriente, Magos, diria o meu pai. - E agora? perguntei a Baltazar. - Agora, respondeu o africano apontando a estrela, agora vamos para Belém.
Manuel Alegre[Lisboa, 3.10.2000] in Vésperas de Natal Edições D. Quixote, 2002
Entremos, apressados, friorentos, numa gruta, no bojo de um navio, num presépio, num prédio, num presídio, no prédio que amanhã for demolido... Entremos, inseguros, mas entremos. Entremos, e depressa, em qualquer sítio, porque esta noite chama-se Dezembro, porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos, duzentos mil, doze milhões de nada. Procuremos o rastro de uma casa, a cave, a gruta, o sulco de uma nave... Entremos, despojados, mas entremos. Das mãos dadas talvez o fogo nasça, talvez seja Natal e não Dezembro, talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira in Cancioneiro de Natal Edições Rolim,1986
Fotografia - TINTA AZUL.Exposição de presépios feitos por crianças de JI e EB da Região Norte.19.12.08
Este ano, ainda, nem fiz a Árvore de Natal. Nem das outras decorações tratei. Nem sei se não tive tempo. Ou se foi do tempo.
A criança já cresceu. Já não se interessa por estas coisas. Foi passar uns dias com os amigos. Que é coisa bem mais importante do que ficar em casa a pôr bolinha aqui, bolinha ali, bolinha acolá. Coisa de que ainda não há muito tempo gostava tanto.
Por isso, estando o Natal mesmo, mesmo à porta, peguei num punhado de rebuçados - embrulhados em celofane vermelho com letras brancas a dizer flocos de neve mais a marca, que agora não digo - pousei-os em cima duma pulseira - de que gosto muito - e enrosquei-lhe um colar - daqueles que fazia há mais de 20 anos atrás, com berloques de massa fimo, enfiados em cordões, de couro, usados nos sapatos, bem encerados -, e pronto.
Tenho a minha pequena, muito pequena, árvore de Natal, que cabe muito bem dentro de casa, sempre atravancada, das tantas coisas que cada um dos que nela vive vai amontoando por todo o lado cada dia que passa. E gosto dela. E vai ficar, mesmo quando a outra, a do costume, com mais ou menos variações, estiver pronta.
E fica aqui, também, onde há-de ter as companhias que se seguiram após o amontoar de outras quinquilharias, que raramente uso, mas que guardo, porque, ou, gosto delas, já gostei, fui eu quem as fez, alguém de quem gosto mas ofereceu.
E não revejo nem as vírgulas nem mais nada porque chegaram os meus sobrinhos e agora é isso que importa. Porque o Natal são as pessoas e o modo como são [se dão] umas para as outras.
[Estes três souberam que ontem vieram três. Também quiseram vir. Passaram palavra. Amanhã, outros três quererão vir. Sendo sempre os mesmos três. Depois, hão-de vir os nomes dos Jardins de Infância e Escolas Básicas onde se fizeram tantos reis.]
_Händel Messias - Amen
Orquestra e Coro - Academy of St Martin in the Fields
Direcção - Sir Neville Marriner
Fotografias - Tinta Azul. Exposição de presépios feitos por crianças de JI e EB da Região Norte.17.12.08 Música - YouTube
Em homenagem à sábia decisão do Excelentíssimo Júri do Concurso Baltasar 2008, d 'A Barbearia do Sr Luís, o meu presente de Natal para o promotor do concurso, o distinto Sr Luís da Barbearia, e para todos os participantes: Os três Reis Magos, que o Baltasar não gosta de andar sózinho, carregadinhos de desejos. Dos desejáveis. Dos bons.
__Sinéad O'Connor
Silent Night
Fotografias - TINTA AZUL. Exposição de presépios feitos por crianças de JI e EB da Região Norte.16.12.08 Música - Youtube
Olha-me! O teu olhar sereno e brando Entra-me o peito, como um largo rio De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando O ermo de um bosque tenebroso e frio.
Fala-me! Em grupos doudejantes, quando Falas, por noites cálidas de estio, As estrelas acendem-se, radiando, Altas, semeadas pelo céu sombrio.
Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto Agora, agora de ternura cheia, Abre em chispas de fogo essa pupila...
E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto Em seu fulgor me abraso, uma sereia Soluce e cante nessa voz tranqüila!
Olavo Bilac
_ Beethoven Sinfonia nº 5 - [1º andtº] Orquestra Filarmónica de Berlim Direcção - Daniel Barenboim
[...] estou convencido que um arquiteto não deve se limitar à aprendizagem de seu métier. Ele deve ter uma cultura geral, ler os clássicos, os escritores contemporâneos, para melhor compreender seu ambiente cultural. [...] eu sempre pensei que um arquiteto de talento deve saber desenhar e escrever. Ele não poderá fazer nada de grande ou de belo se não possuir essas duas qualidades. A terceira é a imagem; logo, a negação de regras.Oscar Niemeyer
No dia em que Oscar Niemeyerfaz 101 anos, a memória de um dia fabuloso que começou no Rio de Janeiro passando por Niteroi, Camboinhas e muitos outros lugares belíssimos. Entre as memórias deste dia consta, também, um pequeno-grande episódio de contornos peculiares, relativo a um acidente à saída do Rio, que dava muito que contar e por isso fica para outra vez, se calhar.
Apesar de já ter visto o Edifício do Museu de Arte Contemporânea em várias fotografias, quando cheguei perto, revelou-se-me uma extraordinária surpresa. Beleza, elegância e arrojo. Foram estas as palavras que me vieram, instantâneas, ao pensamento. Contemplei-o de todos os ângulos que pude. As famosas curvas. O famoso vermelho. Que bem combina com o branco e a cor do mar. Encantei-me. Encantada, fotografava, fotografava.
Ficam quatro olhares, dos muitos, que trouxe do MAC de Niteroi. Uma fantástica obra de arquitectura de Oscar Niemeyer.
__Heitor Villa-Lobos Prelúdio nº2 por John Williams
É preciso ficar, aqui, entre os destroços, E cinzelar a pedra e recompor a flor. É preciso lançar no vazio dos ossos A semente do amor
É preciso ficar, aqui, entre os caídos, E desmontar o medo e construir o pão. É preciso expulsar dos cegos dias idos A insónia da prisão.
É preciso ficar, aqui, entre os escombros, E libertar a pomba e partilhar a luz. É preciso arrastar, pausa a pausa, nos ombros, A ascensão de uma cruz.
É preciso ficar, aqui, entre as ruínas, E aferir a balança e tecer linho e lã. É preciso o jardim a envolver as oficinas: É preciso amanhã.
António Manuel Couto Viana
inMemória Dividida Coordenação Francisco José Viegas Selecção Pedro Mexia
Aqui fica a evidência da minha participação - um tanto ao quanto heterodoxa - no concurso BALTASAR, promovido pel' A Barbearia do Senhor Luís, cujo Magnífico Júri teve a amabilidade de aceitar, mesmo não cumprindo integralmente os requisitos exigidos.
Não sendo Rei, o famoso Juiz, tem muchas ganas de reinar na justiça do mundo, Sr Luís, e no concurso do Baltasar.
Imagem - retirada - algures - da net...e modificada
Quando as veias e as artérias são avenidas, ruas e becos, quando o sangue e a linfa são pessoas, quando o emaranhado em teia é um sentido perfeito, quando as vísceras são obra de arte de uma singular complexidade, quando a alma é clara e plural, quando o corpo é de todos e de ninguém, então... ...então é uma Cidade!
MNN inCarruagem de Metro Corpus Editora, 2007
__Rodrigo Leão As cidades
E eu aprendi a gostar das cidades. Da cidade física e mental. Enquanto espaço e tempo de cidadania.
Imagem - A partir de fotografias. TINTA AZUL. 25.09.08 Música - YouTube