No banco onde se senta, curiosamente de costas para o mar, tem lugar para mais um. Talvez porque goste de ver e falar com quem passa, e tanta gente passa, quem sabe até até a Garota de Ipanema venha passear a Copacabana. E foi neste pressuposto que, depois de pedir licença, me sentei a seu lado. Disse-lhe, então, que gostava muito da sua História de Dois Amores, da Pulga Pul e do Elefante Osborne. Sorriu e, muito baixinho, recitou um poema, também de sua autoria. Agradeci e despedi-me até outro poema, com fundo branco, na página de um livro.
No dia seguinte encantei-me no Jardim Botânico. Dias depois, no Parque do Flamengo, encontrei esta árvore toda florida. Em amarelo. Em pleno Inverno. E o poema ganhou outro significado.
Rio em Flor de Janeiro
A gente passa, a gente olha, a gente pára
e se extasia.
Que aconteceu com esta cidade
da noite para o dia?
O Rio de Janeiro virou flor
nas praças, nos jardins dos edifícios,
no Parque do Flamengo nem se fala:
é flor é flor é flor,
uma soberba flor por sobre todas,
e a ela rendo meu tributo apaixonado.
Pergunto o nome, ninguém sabe. Quem responde
é Baby Vignoli, é Léa Távora.
(Homem nenhum sabe nomes vegetais,
porém mulher se liga à natureza
em raízes, semente, fruto e ninho.)
Iúca! Iúca, meu amor deste verão
que melhor se chamara primavera.
Yucca gloriosa, mexicana
dádiva aos canteiros cariocas.
Em toda parte a vejo. Em Botafogo,
Tijuca, Centro, Ipanema, Paquetá,
a ostentar panículas de pérola,
eretos lampadários, urnas santas,
de majestade simples. Tão rainha,
deixa-se florir no alto, coroando
folhas pontiagudas e pungentes.
A gente olha, a gente estaca
e logo uma porção de nomes populares
brota da ignorância de nós todos.
Essa gorda baiana me sorri:
– Círio de Nossa Senhora... (ou de Iemanjá?)
– Vela de pureza, outra acrescenta.
– Lanceta é que se chama. – Não, baioneta.
– Baioneta espanhola, não sabia?
E a flor, que era anônima em sua glória,
toda se entreflora de etiquetas.
Deixemo-la reinar. Sua presença
é mel e pão de sonho para os olhos.
Não esqueçamos, gente, os flamboyants
que em toda sua pompa se engalanam
aqui, ali, no Rio flóreo.
Nem a dourada acácia,
nem a mimosa nívea ou rósea espirradeira,
esse adágio lilás do manacá,
esse luxo do ipê que nem-te-conto,
mais a vermelha aparição
dos brincos-de-princesa nos jardins
onde a banida cor volta a imperar.
Isto é janeiro e é Rio de Janeiro
janeiramente flor por todo lado.
Você já viu? Você já reparou?
Andou mais devagar para curtir
essa inefável fonte de prazer:
a forma organizada
rigorosa
esculpintura da natureza em festa, puro agrado
da Terra para os homens e mulheres
que faz do mundo obra de arte
total universal, para quem sabe
(e é tão simples)
ver?
Carlos Drummond de Andrade
Imagem - Fotografias. TINTA AZUL 15,e 27.08.08
8 comentários:
Ver... foi o que fizeste, e transmitir aos que não conhecemos o Rio esses sabores e cores que o fazem assim de diferente e de belo.
Reconhecido
Abraços
AI,ai que se me parte o coração!
Eu vi,eu reparei, eu senti,eu andei devagar,...e é tão simples.
um abraço apertado da vadia
Olá,
cheguei aqui via Buteco do Edu e , já nas primeiras olhadas, adorei o blog.
São lindas as fotos!! É claro, a tua simpatia pelo Rio ajudou muito...De certa forma senti o mesmo em Lisboa, em 1991 ( minha vovozinha querida era de Pinhel) .
Como sugestão , visite o "Samba do ouvidor" : há músicas incríveis, desconhecidas até para nós daqui.
Forte abraço,
Marcelo Alves
Delicio-me com os teus relatos e o teu olhar sobre o Rio de Janeiro...
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O "teu" olhar... :)
.
Que bom, ter ainda tanto para recordar!...
.
[Beijo de aproveito a onda]
Mais um canto que me faz recordar e reviver tanta coisa. Obrigada, maravilhosa maravilhada... BJS
Enorme poeta, do tamanho do seu sonho. Tocante, a tua reportagem.
(a Baronesa ainda aguarda, ansiosa, o gato prometido...)
..." é flor é flor é flor,
uma soberba flor por sobre todas."
um verso (me) basta. por vezes.
beijo
Que inveja! Sentadinha ao lado do grande Carlos Drummond de Andrade e ainda por cima a segredarem... Sortuda!
Beijinho
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